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Há alguns anos, um amigo italiano aconselhou-me a enveredar pelo negócio da aviação comercial se eu ambicionasse ser milionário. O conselho resultava de uma experiência por ele vivida no seio de um grupo empresarial no sul de Itália. Porém, alertou-me de que para tal teria de ser multimilionário, dado o nível de prejuízos que esse negócio acarretaria.

Como nunca sonhei ser milionário, ri da brincadeira com a firme convicção de que esses imbróglios financeiros estavam completamente fora da minha órbita. Santa ignorância, a minha! Se há sina que não nos abandona, a todos, é a de sermos eternos contribuintes para fazer face aos prejuízos da TAP e da SATA.

Entrei em êxtase quando a 30 de Junho recebi um email da Azores Airlines a dar-me os parabéns por termos atingido um novo recorde: mais de um milhão de passageiros transportados em 2023. “Esta conquista é de todos os nossos passageiros”, dizia a mensagem. Finalmente boas notícias, rejubilei!

Lá diz o povo que “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. Mesmo sabendo quão efémeras são as nossas alegrias, nunca pensei que uma semana depois recebesse a notícia de que só no primeiro trimestre deste ano a SATA Internacional apresentou um resultado líquido negativo de 22,7 milhões de euros. Rapidamente, percebi que deveria ter poupado os 125€ que o Costa nos ofereceu o ano passado, afinal a cada açoriano cabe pagar cerca de 30€ por mês para suprir este prejuízo.

Como nostálgico que sou, gosto de sentir saudades por isso embirro com os problemas da TAP e com os políticos da República. Não me deixam ter saudades dos seus alegres casinhos, tal é a proliferação de casos e casinhos que despoletam diariamente.

Sabendo que o coração dos computadores é a CPU, também conhecida como processador, julguei que a CPI, Comissão Parlamentar de Inquérito, à Tutela Política da Gestão da TAP iria processar algum resultado claro. Como tantos outros inquéritos e auditorias que bem conhecemos, assistimos a mais uma entrada de leão com saída de sendeiro.

Antigamente, Julho era sinónimo de Verão, o que significava época de “silly season”. Com as alterações climatéricas, já não se sabe qual a estação do ano a que os meses correspondem. Talvez por isso, sucedem-se as trapalhadas numa tradução literal de “época ou estação palerma”.

No rectângulo nacional, não há dia que não se acrescente algo ao anedotário. Esta sexta-feira, mais um Secretário de Estado foi exonerado. Ao que parece, Marco Capitão Ferreira terá nomeado um fantasma para participar num estudo sobre a Economia da Defesa. Aparentemente, além de ser necessário recorrer ao SIS, é urgente o recrutamento dos “Ghostbusters”.

Por cá, e porque não devemos ficar isolados, também se roubam computadores e telemóveis, embora com menos teatro associado. Para compensar essa lacuna, surgem umas tímidas Guerras do Alecrim e Manjerona, com trocas de mensagens fratricidas, que culminaram na demissão de um membro da estrutura governativa.

Com a transferência, a custo zero, do CEO da SATA para a TAP, foi dado um importante passo para o almejado desenvolvimento harmónico, não só entre as ilhas açorianas, mas também a nível do todo nacional. Ninguém melhor do que Luís Rodrigues percebe a necessidade de “dar asas” para que TAP e SATA se unam a sobrevoar um ninho de casos.

Luís Vasco Cunha

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*ZONA FRANCA discorda ortograficamente

Decorre ainda nos Açores o debate sobre onde ancorar os cabos submarinos que ligam as ilhas à civilização e com argumentos técnicos num e noutro sentido: que devem estar numa única ilha, em S. Miguel; ou que devem repartir-se por duas, S. Miguel e Terceira. Os argumentos técnicos, a avaliar opiniões de quem sabe, favorecem a ancoragem nas duas ilhas; no entanto, S. Miguel pugna que deve sê-lo apenas numa única ilha.

No debate tem sido ausente a argumentação estritamente política: de que deve estar um cabo ancorado na Terceira por razões de ordem política, que uns dirão nomeadamente de natureza arquipelágica e atlântica, porque a autonomia política dos Açores está assente sobretudo nas duas maiores ilhas em termos populacionais; mas em rigor é muito mais do que isso – por tratar-se de questão política e não técnica.

Este tipo de dilema político já esteve em discussão na Constituinte da 1.ª Constituição Portuguesa de 1822. Discutia-se aí onde se colocaria os Açores na geografia política do país: uns defendiam que as ilhas pertenceriam ao continente americano ou ao africano e, portanto, não seriam espaços unitários do país como eram os restantes espaços do continente português; pois pertencendo geograficamente a esses continentes seriam territórios ultramarinos e não território português propriamente dito. Outros, a maioria, defendiam que a questão não era de geografia, mas de política; tendo pertencido ao país desde o seu descobrimento e povoamento; tendo tido elevadíssimo relevo na própria história do país, quer entre 1580 e 1582, em termos da própria portugalidade, quer na 1.ª metade do século XIX, no liberalismo, no constitucionalismo e na criação do 1.º governo constitucional e 1.ª administração moderna; sendo ilhas que transportam muitos elementos significativos da história de Portugal, concluíram que tudo isso fazia das ilhas uma parte significativa do país e eram, pois, um espaço tal e qual outro, como no centro, no norte ou no sul. E assim ficou deliberado: as ilhas e a sua instituição constitucional como parte do território nacional seriam efetivamente espaços pátrios, designadas então pela Constituição por ilhas adjacentes. (expressão já usada em séculos anteriores e aqui usada sem quaisquer resquícios de menoridade; era simplesmente uma expressão geográfica de então e em termos políticos o adjacente era positivo porque de pavilhão político).

Este foi e é um acontecimento de grande dimensão: se a posição contrária tivesse vencido as ilhas teriam sido geridas pelo sistema de governação ultramarina; e hoje seríamos ilhéus, mas com certeza muito diferentes.

Hoje, nesta questão dos cabos, passa-se algo idêntico: é impensável que um dos cabos não seja ancorado na Terceira. Porque não são questões técnicas, nem de geografia; mas são de política. Quais as consequências políticas da Terceira ficar de fora da ancoragem – isso ninguém pode afirmar; mas se aprendermos com a nossa identidade cultural e política – sabemos que, por uma questão política, a ancoragem na Terceira, será uma realidade, doa a quem doer. O património genético independentista de S. Miguel terá nascido, nomeadamente, no ciclo da laranjeira – cujos lucros eram do Estado e não de Angra do Heroísmo (apesar da Terceira injustamente ter arcado com todo o desmérito no pensamento da elite micaelense); podemos estar a ver nascer um novo ciclo independentista em que as ilhas querem ser de cada ilha e não dos Açores de uma única ilha (se é que isso já não começou antes, nomeadamente com a revisão do Estatuto em 1998).

Arnaldo Ourique

(Investigador de Direito Constitucional Autonómico)

ZONA FRANCA

Ilha desconhecida

O tamanho dos Açores vai muito para além da extensão dos seus mares, que conferem grandiosidade a Portugal. Por cada um dos pouco mais de 250 mil residentes nos Açores, existem 6 nativos, e seus descendentes, morando em outros países, o que perfaz cerca de um milhão e meio a habitar a décima ilha.

Nada melhor do que visitar a zona de Fall River, nos Estados Unidos da América, para se perceber que nas ilhas há um enorme desconhecimento sobre a realidade da diáspora açoriana.

Os mais velhos recordam-se com clareza de um tempo em que o turismo nos Açores, praticamente, se resumia às romarias anuais dos seus emigrantes. Eram tempos em que os barris da América animavam os que por cá ficaram. Ano após ano, o comércio florescia com o regresso dos emigrantes. Eram eles que compravam o frigorífico ou o televisor, para que os familiares tivessem acesso a esses “luxos”, ou que proporcionavam a única visita do ano a um restaurante.

Vinham famílias completas, inúmeras vezes com os pais esperançados de que os filhos se enamorassem de alguém que lhes garantisse uma proximidade à terra natal. O sonho americano acompanhava muitos jovens açorianos, fazendo-os ansiar por um casamento ou uma “carta de chamada”.

Era o tempo das saudades. Por cá, muitas saudades das gentes, tantas vezes ainda mais saudades das cartas que traziam “umas dolas” para compor o orçamento familiar. Por lá, saudades das gentes e dos seus cheiros e sabores. O “mercado da saudade” foi, durante muitos anos, o único canal de exportação de produtos açorianos.

Acontece que hoje, muita da nossa diáspora não tem saudades dos Açores, pela simples razão de que não conhece as ilhas. A ideia que estas gerações têm das ilhas é, inúmeras vezes, distorcida e assente em imagens de um passado longínquo. Vêem os Açores como aquela terra distante, com poucos recursos culturais e financeiros, que os seus antecessores faziam questão de visitar todos os anos, gastando as poupanças acumuladas ao longo do ano.

É urgente entender, e aceitar, que para muitos destes descendentes certos costumes são considerados absurdos como as touradas, matanças de porco ou bodos de leite. É preciso mostrar os nossos museus como repositório do passado, mas também com o muito que têm de modernidade.

Primeiro que tudo, há que pugnar para que se sintam açorianos os que cá nasceram, e seus descendentes, os que cá vivem e todos aqueles que amam estas ilhas. Em paralelo, é fundamental que entendamos que esta é a nossa maior riqueza, o sermos muito mais do que aquilo que os censos contabilizam.

Algum trabalho já foi feito na aproximação das ilhas aos seus emigrantes, e descendentes, mas muito mais há a fazer. Aproximar a nossa Universidade dos luso-descendentes deve ser tarefa prioritária, assim como fazer-lhes chegar o que de bom se faz por cá, em termos culturais. Há vida para além do folclore, do Carnaval e das filarmónicas, seja em português ou inglês.

Fazemos pouco, mas comunicamos ainda menos. Temos de melhorar a aposta na comunicação, qualitativa e quantitativamente. Tudo aquilo que não é comunicado, não existe. O mundo em que vivemos é altamente competitivo e temos de saber lutar pela nossa afirmação nesse mercado global. É a economia a funcionar.

Vamos reforçar laços, criando verdadeiras saudades do que se conhece, mas sobretudo do que se desconhece.

Luís Vasco Cunha

*ZONA FRANCA discorda ortograficamente

Acerca do Jornal da Praia

Este jornal é um quinzenário de informação geral que tem por objetivo a divulgação de factos, opiniões, debates, ideias, pessoas, tendências, sensibilidades, em todos os domínios que possam ser importantes para a construção de uma sociedade mais justa, livre, culta, inconformada e criativa na Região Autónoma dos Açores.

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