Dentro de poucos dias, os cidadãos portugueses, nascidos ou residentes nos Açores, irão assistir a duas semanas de campanha eleitoral, com vista à escolha dos deputados da futura Assembleia Legislativa Regional, que serão escolhidos para representarem os eleitores dos nove círculos existentes no nosso arquipélago.
Nas passadas campanhas, quase todos os partidos, intencionalmente ou não, confundiram a natureza das eleições regionais, fazendo crer que o mais importante não era a personalidade dos candidatos, a sua experiência, a seriedade, competência e devoção à causa pública. E hoje, com base nesse erro mistificador, se tentará novamente apresentar os cabeças de lista dos partidos, anteriormente mais votados, como futuros presidentes do governo, e repisar a peregrina ideia do voto útil, como se existissem votos inúteis ou de categoria inferior no nosso quadro político, atentando-se assim contra a liberdade de escolha dos cidadãos livres, e mostrando-se que não é a vontade do povo que importa ouvir humildemente, para respeitosamente ser dada a devida resposta aos problemas do eleitorado.
Que também fique claro. Não se vai eleger, nas eleições de 4 de Fevereiro, nenhum presidente do governo regional, nem o primeiro ministro do governo nacional, no mês seguinte. Só o Presidente da República, esse sim, não depende de votação colegial dos círculos eleitorais, mas da votação individual de todos os eleitores.
É chegada a hora de votar. Na presente situação, nunca antes acontecida na história da autonomia açoriana, temos todos de ir votar, porque a abstenção ou votar em branco, nada resolve e só se adia o tempo da mudança. Esta hora, inédita entre nós açorianos, não pode ser de apatia, ostracismo e indiferença em relação aos graves problemas, com que se debatem os habitantes das nossas ilhas.
O abstencionismo cujas causas são a despolitização, o desencanto e os deficientes critérios partidários na selecção dos candidatos nada contribuirá para a clarificação política. Esta falta de clarificação é um dos maiores males de que enferma o todo nacional, e naturalmente, a nossa região. Os partidos e os candidatos, uns mais outros menos, têm muitas culpas pelo que acontece nas campanhas, onde abundam os ataques pessoais e os discursos conflituosos que não dignificam os seus autores, bem pelo contrário. Os votantes estão fartos desse tipo de discursos. E merecem mais respeito daqueles que, erradamente, pensam que, com isso e umas pancadinhas nas costas, estão a prestigiar a democracia e a ganhar votos para inquilinos da Assembleia Regional.
Sobre esta última, a maioria da população não sabia, ainda há três anos, o que era o parlamento da Horta e qual o papel que devia desempenhar, porque os governos na sua arrogância e sobranceria tudo faziam a seu bel-prazer, como se fossem os donos disto rudo. Tal atitude reflectia bem o conceito e o espírito democrático dos responsáveis políticos que tínhamos. A Democracia não é, pois, nem nunca será, endeusamento de pessoas, criação de mitos ou reminiscência sebastianista geradora de novos messias salvadores.
Frequentemente, o votar é um risco, visto que uma vez depositado o boletim de voto na urna , o eleitor (mandatário) perde o controle sobre o seu representante (procurador). Ora isto é uma das fraquezas do actual regime de representatividade, que prova bem que a democracia não se esgota nos partidos nem nos parlamentos. Os eleitores deveriam poder fiscalizar o trabalho dos eleitos propostos pelas formações políticas, ou por grupos de cidadãos e associações representativas do tecido social. Isto que hoje parece-nos utópico, será um dado adquirido num futuro não muito distante.
No actual sistema político-constitucional, o voto é livre e secreto, e como tal deve ser consciente. O eleitor mais tímido ou menos informado não se deve deixar manipular por princípios e interesses, que não sejam os acatados pela sua consciência de cidadãos livres e não de servos da gleba.
Nestes dias, não faltarão os conselhos paternalistas de caciques locais, de fariseus e outros beneméritos, para que possam continuar a usufruir das regalias de velhos privilegiados e dominar, em seu exclusivo proveito, as massas trabalhadoras. Muitos são os artifícios utilizados: da mais sofisticada insinuação a favor de uma lista à mais abjecta forma de pressão; do simples convite, à chantagem mais hedionda da perda da pensão, do abono, do emprego. Sem esquecer os famigerados recursos às sondagens encomendadas, antes e durante o período eleitoral.
Contrariando os desejos de espíritos fanáticos ou preguiçosos, pessoalmente não daremos nenhuma orientação de voto, a não ser a do voto consciente, coerente e responsável, na lista que seja merecedora da nossa confiança. Só assim os resultados serão correctos e as eleições válidas e prestigiadas.
No próximo dia 4 de Fevereiro de 2024, deixaremos em casa o comodismo e a indiferença. Iremos votar conscientemente e sem medo. Só pela participação de cada um, a democracia consolidar-se-á em prol do bem de todos.
António das Neves Leal
6.01.2024--Dia de Reis
