Nesta edição JP entrevista António Gomes, Presidente do Conselho de Administração da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo dos Açores.
Jornal da Praia (JP) - Em Junho do corrente ano, mais precisamente no dia 27, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo dos Açores, CRL assinalou 100 anos de existência nos Açores. O que representam estes 100 anos ao serviço dos açorianos?
António Gomes (AG) - Celebrar o centenário desta Instituição de Crédito representa a possibilidade de homenagear a história do Crédito Agrícola nos Açores. Uma história repleta de iniciativa, trabalho e coragem de várias gerações de homens e mulheres, que se destacaram como sócios, como clientes e como corpos directivos de todas as ramificações de Caixas Agrícolas dispersas por várias ilhas, que precederam à actual Caixa Agrícola dos Açores. O Crédito Agrícola surge em Portugal continental em 1911, à semelhança do que já acontecia noutros países europeus, nomeadamente em França com a fundação, em 1894, do Credit Agricole, hoje a maior instituição de crédito francesa.
Na altura, a banca nacional não estava disponível para financiar o sector agrícola, a base da sustentabilidade alimentar de toda a humanidade, com preços e maturidades adequados aos ciclos vegetativos das culturas e das produções animais.
É neste contexto que é lavrado o regime jurídico que permitiu a criação das Caixas Agrícolas, com a actividade comercial inicialmente cerceada ao sector primário e com uma estrutura societária assente nos agricultores.
As Caixas Agrícolas fomentaram então o sector com financiamentos adequados aos investimentos agrícolas e fora da usura a que estes estavam submetidos.
O movimento chega aos Açores em 1922, numa iniciativa dos Sócios do Sindicato Agrícola dos Cultivadores de Ananazes da Ilha de San Miguel, que rapidamente se alastra a outros concelhos e a outras ilhas do arquipélago, de tal forma que nos anos 70 e 80 do século passado eram mais de 10 as Caixas nos Açores, que viriam, em 1993, a fundir-se na actual Caixa Agricola dos Açores.
A Instituição resultante ganhou dimensão, cota de mercado e resiliência. A adesão por parte de um universo de novos clientes e sócios foi muito elevada e impôs um rápido crescimento orgânico da Instituição.
Não tardou a alteração ao Regime Jurídico que veio permitir o alargamento da actividade bancária a todos os outros sectores económicos.
Hoje, mantendo a individualidade jurídica, estamos inseridos no grupo financeiro Crédito Agrícola, que compreende 73 Caixas de todo o país, duas companhias de seguros e várias outras empresas de prestação de serviços partilhados.
JP - Com 12 mil associados e uma carteira de 40 mil clientes qual é a dimensão e quota que a Caixa ocupa nos Açores?
AG - Somos uma Instituição de Crédito com sede na Região Autónoma dos Açores e com presença em 6 ilhas do arquipélago. Dispomos de uma rede comercial de 18 balcões e 59 ATMs, que são, em muitas localidades, o único ponto de contato bancário para as populações, tornando-se, assim, um instrumento imprescindível para o desenvolvimento local e regional.
Hoje, a Caixa reúne um grau de Capitais Próprios - resultantes da subscrição de capital pelos sócios e da incorporação de resultados transitados - que estão ao nível do dobro do valor exigido pela Autoridade Supervisão Bancária, com o Rácio de Solvabilidade, CET1, superior a 22%. Complementarmente, a Caixa dispõe de uma importante liquidez, que nos permite marcar presença em toda a linha do investimento regional.
Neste quadro, traçamos como objectivo a médio prazo, uma ascensão da actual quota de mercado de 16% para 25%.
JP - Com agências bancárias em vários pontos dos Açores, inclusive na cidade da Praia da Vitória, existem plano para crescer o número de balcões nos Açores?
AG - Nas últimas duas décadas, a banca transitou de forma irreversível dos balcões das agências para os computadores pessoais e para os telemóveis, disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano.
A sua pergunta é pertinente porque estamos a viver um tempo de autêntica revolução ao nível da informatização dos serviços bancários, agora acelerada com os processos impostos pelo COVID 19, que veio encurtar o timing para a transformação digital.
Mais de 50% dos nossos clientes hoje já recorrem aos canais digitais para aceder aos serviços bancários, disponíveis nas plataformas CA on-line e CA Mobile. Todos os serviços estão aí disponíveis, incluindo a contratação de operações de crédito em determinada tipologia, que, com base nas avaliações do cliente - ratings e scorings - estão prontos a ser subscritos, sem qualquer contato com colaboradores ou balcões.
Esta revolução informática impôs uma mudança na estratégia do negócio a curto e a médio prazo. Há 10 anos tínhamos um projecto para alargar a nossa rede de balcões a 8 ilhas e, em ilhas mais densamente povoadas e com níveis maiores de investimento, alargar ainda mais a actual rede de balcões.
Porém, com a digitalização o alargamento da rede de balcões tornou-se impensável e todo o plano teve de ser reajustado ás novas realidades.
Este panorama é generalizado a toda a banca. Várias Instituições de Crédito, por razões economicistas, estão a fazer regredir substancialmente as suas redes comerciais. Contudo, por agora, a nossa estratégia passa por uma dualidade na prestação dos serviços bancários: manter a actual rede de balcões, sem encerramentos, como ponto de atendimento presencial especializado para todos os clientes, de diferentes níveis de literacia e escalões etários, e, por outro lado, reforçar o serviço homebanking e Mobile, entretanto já acreditados como um dos melhores da banca em Portugal.
JP - Como se caracterizam os produtos financeiros e serviços prestados que a Caixa oferece nos Açores? Possui produtos diferenciados mais vocacionados para o sector, neste caso agrícola?
AG - O sector primário, o sector agrícola, será sempre o nosso mercado alvo privilegiado, o nosso core business. Para este sector disponibilizamos uma gama completa de produtos financeiros com a melhor precificação do mercado.
Mas como anteriormente referi, o regime jurídico do Crédito Agrícola foi alterado e a adesão dos outros sectores económicos foi exponencial. Para todas as empresas e empresários em nome individual dispomos de financiamentos para o apoio de tesouraria, com contas correntes caucionadas, contas de cheques pré-datados e créditos de curto prazo. Para os investimentos empresariais dispomos de linhas de crédito próprias e protocoladas com maturidades até 20 anos. Emitimos garantias bancárias, contratamos leasings, factoring e temos os TPAs e cartões de crédito com as melhores condições do mercado. Para os particulares financiamos todo o tipo de crédito ao consumo, crédito habitação e disponibilizamos ainda cartões de débito e de crédito em todas as modalidades.
Orgulhamo-nos de ser um Instituição regional de vanguarda na banca em Portugal.
JP - Como dirigente bancário, qual a análise que faz sobre o sector financeiro nos Açores?
AG - Os Açores têm uma taxa de bancarização semelhante às demais regiões do país, servida por três Instituições de Crédito de cariz regional, nós e outras duas instituições, que coabitam com os principais bancos oriundos do território nacional.
Em minha opinião, respondem adequadamente às necessidades financeiras do tecido empresarial e das populações em geral.
Os Açores têm uma atividade bancária com mais de século e meio de história, com muitas e importantes iniciativas na criação e fundação de bancos.
Mas o negócio bancário exige muita disciplina e rigor e incorpora muitas componentes de risco. Exige elevado investimento de capital, obedece a equilíbrios delicados e tem de responder a múltiplos interesses: o interesse dos accionistas, o interesse dos depositantes, o interesse dos investidores, entre outros, o que torna a governação difícil e exigente, levando, como é do conhecimento geral, várias instituições, por uma razão ou outra, a sair de cena ou a soçobrar.
A generalidade dos bancos que operam em Portugal, tem o poder de decisão fora do país. Em contrapartida, uma Instituição de crédito regional tem, pela proximidade do poder de decisão, uma acuidade e uma visão das especificidades e das necessidades locais como nenhuma outra o consegue fazer.
Por outro lado, uma Instituição de Crédito regional capitaliza valor e representa investimento, poder económico, postos de trabalho, receitas fiscais, estabilidade e até apoio social. E um património financeiro que deve ser apoiado, acarinhado e estimulado por todas as estruturas da sociedade.
Neste culminar dos primeiros 100 anos do Crédito Agrícola nos Açores desejo a todos os Praienses e Açorianos em geral o maior sucesso económico, financeiro, profissional e pessoal, na certeza de que tudo faremos para continuar a prestar um serviço bancário de excelência, servido por profissionais competentes e responsáveis, com a melhor e mais segura tecnologia informática.
Agradeço ao "Jornal da Praia" e a todo o seu corpo redactorial a oportunidade que me deu de poder divulgar a história e o projecto da Caixa Agrícola dos Açores, desejando a mais longa vida ao jornal que tão bem se tem batido e trabalhado na defesa dos interesses da terra de Vitorino Nemésio e dos Açores em geral.